Depois de mais de 60 anos de conflito, famílias ainda sofrem para garantir a posse das terras da fazenda Antas, em Sapé, na Paraíba
A fazenda Antas, localizada no município de Sapé, Paraíba, é palco de um dos mais antigos e emblemáticos conflitos pela Terra no estado e no Brasil. O conflito dura mais de 60 anos e as famílias envolvidas já foram vítimas de inúmeras violências, como destruição de lavouras, despejos, ameaças de mortes e execução de duas lideranças históricas no Estado, João Pedro Teixeira, das Ligas Camponesas, em 1962 e o trabalhador rural Sandoval, assassinado em 2000.
Há 13 anos, as famílias retomaram o processo na justiça. A área foi desapropriada, a partir de decreto presidencial, em dezembro de 2006, mas o Incra não chegou a ser imitido na posse por conta de um Mandado de Segurança ajuizado pelo então proprietário da área, o que resultou na suspensão do decreto de desapropriação em janeiro de 2007.
Em dezembro do mesmo ano, a Fazenda foi objeto de nova desapropriação para fins de Reforma Agrária, mas a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie concedeu medida liminar ao proprietário da fazenda e suspendeu, novamente, o decreto presidencial poucos dias depois.
Os autos do processo foram para a Procuradoria Geral da República, que manteve a desapropriação. Agora, o caso está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal. No último dia 02 de março, o relator do processo, o Ministro Joaquim Barbosa se pronunciou favorável à manutenção do decreto presidencial que garante a desapropriação das terras. Entretanto, os ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Marco Aurélio votaram pela anulação do decreto de desapropriação, alegando que houve ocupação de trabalhadores sem terra antes da vistoria realizada pelo Incra. Já o ministro Dias Tóffoli pediu vistas, o que irá atrasar a decisão final.
Uma extensa documentação anexada ao processo confirma que não houve nenhuma ocupação na Fazenda Antas antes da vistoria realizada pelo Instituto. Diante de tal controvérsia, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) reforça a necessidade de que as organizações sociais, entidades, pessoas físicas e movimentos sociais manifestem solidariedade às famílias de trabalhadores rurais que encontram-se na iminência de perderem suas terras. Nesse sentido, a CPT propõe, através do modelo de mensagem que segue abaixo, que as entidades solicitem aos demais ministros do Supremo que se posicionem favoravelmente à manutenção do decreto presidencial que assegura a terra para fins de Reforma Agrária.
A Controvérsia
O proprietário alega que o imóvel foi alvo de sucessivas invasões, o que teria afetado a produção da fazenda. A Advocacia-Geral da União, por sua vez, afirma que não há prova incontroversa de que houve invasão e que o dono do imóvel teria desmatado a fazenda para plantar cana-de-açúcar.
“Resta evidente divergência entre as alegações (do dono do imóvel) e as informações (da Presidência da República), o que leva à necessidade de dilação probatória (produção de prova)”, concluiu o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa.
Para ele, o caso tem de ser decidido nas instâncias competentes, e não por meio de mandado de segurança. “Sem a inauguração e extensão de fase instrutória, não é possível afirmar peremptoriamente o quadro de invasão narrado pelo impetrante (fazendeiro) ou o quadro de aparente normalidade defendido pela Presidência da República”, afirmou.
O relator disse em seu voto que o proprietário do imóvel apresentou documentos com o objetivo de provar que a fazenda foi alvo de inúmeras invasões. Por outro lado, informou que há nos autos documentos que contradizem o alegado pelo fazendeiro, como laudo agronômico que afirma que não há invasores na área da fazenda, mas famílias que trabalham em local próximo ao imóvel há mais de 20 anos.
O ministro Marco Aurélio foi o primeiro a divergir e votar pela anulação do decreto. Ele ressaltou a existência de quatro decisões judiciais que confirmam a invasão do imóvel. “A lei é categórica ao revelar que, havendo a invasão da propriedade, não se pode implementar a vistoria”, disse. “Como a vistoria foi realizada à margem do que previsto na lei de regência, obviamente o decreto formalizado pelo presidente da República está contaminado”, concluiu.
O ministro Gilmar Mendes rebateu argumentos de que a legalidade do decreto subsistiria diante de informações levantadas pela vistoria realizada pelo Incra, que teria comprovado que área de Mata Atlântica existente na fazenda estaria sendo desmatada para o plantio de cana-de-açúcar. “Fundamento de meio ambiente, de trabalho escravo, qualquer outro, não elide a necessidade de demonstrar se a invasão ocorreu antes ou depois (da vistoria)”, disse, emendando que o Supremo já confirmou a constitucionalidade do dispositivo legal que veda a vistoria em imóvel rural invadido.
O ministro destacou que “o dispositivo legal tem um alcance social muito sério”, acrescentando que, “após a edição da medida provisória (MP 2.183-56/2001), caíram significativamente os casos de morte no campo”. “Este Tribunal tem grande responsabilidade neste tipo de questão”, ressaltou.
A ministra Ellen Gracie, por sua vez, classificou o dispositivo legal como “uma medida pacificadora do campo”. Ela se manifestou pela manutenção da constitucionalidade do dispositivo. “É realmente muito importante que a jurisprudência do Tribunal não retroceda”, ponderou. Quando estava no exercício da Presidência do STF, ela concedeu liminar para suspender os efeitos do decreto de desapropriação da fazenda “Antas” até o julgamento final do mandado de segurança.
O ministro Gilmar Mendes também afastou qualquer controvérsia sobre o imóvel ter sido ou não invadido. “Isso está demonstrado nos próprios documentos e decisões judiciais”, disse ao se referir sobre a existência de invasão no imóvel antes de o Incra fazer a vistoria.
Sugestão de mensagem a ser enviada para os ministros do STF:
Aos Srs. Ministros do Supremo Tribunal Federal
É com bastante preocupação que estamos acompanhamos há mais de 13 anos a luta das 57 famílias de trabalhadores rurais, antigos posseiros, que reivindicam a imissão na posse na fazenda Antas, no município de Sapé – PB. A área foi desapropriada em 2006, por decreto presidencial.
Conhecendo a situação e o histórico de resistência, além dos inúmeros casos de violações aos Direitos Humanos perpetrados contra as famílias, pedimos que esta corte Suprema julgue com justiça e urgência o caso, se manifestando favoravelmente à manutenção do decreto presidencial de 2006, que trata sobre a desapropriação da Fazenda Antas, PB. Dessa forma, estará garantido àquelas famílias de trabalhadores rurais definitivamente o acesso a terra e o pleno exercício de sua dignidade.
Endereços eletrônicos para contato com os Gabinetes dos Ministros:
Ministro Cezar Peluso: Formulário de Atendimento ao Cidadão
Ministro Ayres Britto: gabcarlosbritto@stf.jus.br
Ministro Celso de Mello: gabcob@stf.jus.br
Ministro Marco Aurélio: marcoaurelio@stf.jus.br
Ministra Ellen Gracie: audienciaellengracie@stf.jus.br
Ministro Gilmar Mendes: audienciasgilmarmendes@stf.jus.br
Ministro Joaquim Barbosa: gabminjoaquim@stf.jus.br
Ministro Ricardo Lewandowski: patriciaml@tse.jus.br
Ministra Cármen Lúcia: audienciacarmen@stf.jus.br
Ministro Dias Toffoli: gabmtoffoli@stf.jus.br
Ministro Luiz Fux: gabineteluizfux@stf.jus.br