As ligas camponesas escreveram uma das páginas mais importantes de nossa história, uma história de lutas dos trabalhadores que se organizaram sob a bandeira da defesa dos direitos humanos. O lado triste dessa história é o sangue com que foi derramado, sangue de humanos humildes, excluídos pela crueldade dos que exploravam e ainda exploram esses trabalhadores.
As ligas surgiram na metade dos anos 50 para combater a exploração e a lida mais desumana a que estavam submetidos os trabalhos do campo, vítimas de um sofrimento imposto e patrocinado, sobretudo, por usineiros e senhores de engenho do setor canavieiro da Paraíba e de todo o Nordeste. Os trabalhadores queriam apenas estender a legislação trabalhista aos trabalhadores das usinas e dos engenhos. Era ter o direito de plantar e colher na terra que ele arrendava. Era ter o direito de pagar o foro em dinheiro e não através do cambão, também conhecido com ‘canga’, ou seja, o pagamento do aluguel da terra com dias de trabalho gratuito. As terras não passavam do entorno do próprio casebre, não mais do que uma pequena faixa ao redor da casinha de taipa onde o camponês e a família moravam, onde tinham que trabalhar 2, 3 ou até 4 dias, por semana, para o proprietário da terra.
O negócio era tão sério e tão humilhante que o ex-Deputado Assis Lemos, ícone da luta e da história das Ligas Camponesas na Paraíba e no Nordeste, escreveu uma vez que o cambão também era sinônimo de “sujeição”, “obrigação”, “condição” ou “diária”. Outro detalhe ignominioso da condição de escravo que configurava as relações de produção no setor canavieiro, e que também motivou o aparecimento das ligas, era o salário sob a forma de Vale do Barracão. O barracão era a venda, uma bodega, que pertencia ao proprietário da terra e fornecia a quantidade de gêneros alimentícios suficiente apenas para manter o camponês vivo e pronto para continuar adubando com o seu suor a fortuna e o poder dos usineiros. Mercadoria vendida por preços aviltantes, sempre acima da capacidade de pagar que o patrão consentia ao camponês, fazendo com que o trabalhador vivesse eternamente endividado e dependente do barracão e se houvesse a intenção de ir embora, era preso, torturado e muitas vezes morto nas mãos da Polícia ou dos capangas da usina.
O camponês de ontem e o sem-terra de hoje são protagonistas da mesma história de exploração, dominação e opressão que o Brasil precisa acabar, para que assim possa haver progresso, igualdade, fraternidade e justiça entre todas as pessoas.
A Ong – Memorial das Ligas Camponesas, tem a finalidade de resgatar essa história, levando às novas gerações uma oportunidade de se inserir num cenário antes escondido, mas que consistiu em uma dura realidade de nossa cidade, de nosso país. É conhecendo o passado que faremos justiça aos que morreram pela luta por liberdade, igualdade e justiça, dos que derramaram o sangue pela democracia.
Esse informativo é uma forma de resgate dessa história, uma fonte de pesquisa, debate e relatos que estudantes e estudiosos agora dispõem para conhecer um pouco de suas raízes e ter condições de refletir e analisar os fatos que estão ocultos na história, mas ainda presentes na memória dos que viveram aqueles dias e sofreram na pele a repressão de uma luta desigual, mas que foi fundamental para a construção de nossa democracia.
* Jorge Galdino de Almeida