31 jan Você sabe o que foram as Ligas Camponesas?
Desde que o Brasil foi invadido pelos europeus que a questão da terra é fundamental para entendermos a história do nosso povo e da nossa gente. A disputa pela terra e por reforma agrária são a base e o centro das discussões no entorno do que SÃO AS LIGAS CAMPONESAS, se você pensa que essa luta começou como o Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e ou com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), você está enganado, pois, a “Liberdade da terra é assunto de todos quantos se alimentam dos frutos da terra” (Pedro Tierra).
A disputa pela terra é uma longa história, que se agravou com a violência da invasão colonial, em 1500, e com a Lei de Terra, de 1850, que impediu que escravizados libertos pudessem ter acesso à terra. Principalmente se pensarmos em termos de Nordeste, lugar onde começou as capitanias hereditárias.
O caso das Ligas Camponesas começou como uma forma estimulada de organização do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por reforma agrária, isso por volta de 1945. Depois, elas ressurgem para driblar as restrições impostas pela legislação contra a formações dos sindicatos. Assim, em 1955 é criada a Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP), no Engenho Galileia, no município de Vitória de Santo Antão, mais tarde chamada de Liga Camponesa da Galileia. Sendo uma sociedade civil beneficente, de auxílio mútuo, seu objetivo era fundar escolas primarias e formar fundos para adquirir caixõezinhos de madeira destinados às crianças que naquela região morriam em proporções assustadoras. O estatuto da sociedade, expõem, além dessas realidades, objetivos ainda mais remotos na época, como aquisição de sementes, inseticidas, instrumentos agrícolas, obtenção de auxilio governamental de assistência técnica.
No Engenho Galileia, havia mais de 140 famílias camponesas, totalizando na época mais de mil pessoas. As autoridades negavam-lhes os direitos básicos, como por exemplo, o de ter uma professora, os donos dos latifúndios, apesar de ter os filhos diplomados, graças ao foro arrancado anualmente daquela pobre gente, também não cumpria o artigo da Constituição Federal que obrigava todo estabelecimento agrícola com mais de 100 trabalhadores agrícolas a manter escola gratuita.
Ameaçados de expulsão do Engenho Galileia, os camponeses da SAPPP contrataram um advogado para defendê-los, era Francisco Julião, deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). A luta durou quatro anos, com vitória para os camponeses. Francisco Julião viria a se tornar um dos organizadores das Ligas Camponesas.
Em 1959, várias delegacias das Ligas foram implantadas em Pernambuco, chegando na Paraíba, a partir de Sapé, em 10 de janeiro de 1959. e já surgiu com 10 mil filiados e tinha a sua frente João Pedro Teixeira. A Liga de Sapé foi considerada a mais forte do país, tornando João Pedro Teixeira, marido de Elizabeth Teixeira, um líder nacional ao lado de Francisco Julião.
A Associação de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Sapé, a Liga Camponesa de Sapé, surge no centro do conflito agrário, na região da Zona da Mata Paraibana, as melhores terras do Estado. A Liga de Sapé tem em seu surgimento a dimensão prioritária da luta por direitos humanos.
O surgimento da Associação, segundo seus Estatutos, teria como finalidade a prestação de assistência social aos arrendatários, assalariados e pequenos proprietários agrícolas do município de Sapé e adjacências, bem como a defesa de seus interesses, tudo de acordo com a legislação do país. Nos Estatutos e na prática inicial da entidade, estava implícito que não se desejava ultrapassar a lógica da legislação burguesa, para se criar o paraíso do campesinato.Pois, inicialmente o estatuto da entidade foi confeccionado de forma a não chamar a atenção dos latifundiários, o que permitiu que a associação ganhasse solidez e se fortalecesse antes de começar a ser incomodada. Desta forma, elementos importantes não foram intencionalmente citados, como é o caso da assessoria jurídica e dos pleitos, tais como: salário mínimo, décimo terceiro salário; pagamento do salário em dinheiro; permitir o pagamento do foro em dinheiro; estabilidade atinente ao local de moradia do trabalhador; pagamento das benfeitorias efetuadas pelo morador, quando este tivesse que deixar a terra, o descanso semanal remunerado e a indenização por tempo de serviço. Outro fato importante a ser lembrado é que, justamente para evitar conflitos imediatos com os proprietários, um dos principais objetivos, o fortalecimento da luta pela Reforma Agrária, fora propositadamente omitido do estatuto.
As reivindicações estatutárias, de caráter nitidamente assistencial, tinham por finalidade mobilizar enorme contingente de moradores de condição, rendeiros, foreiros e mesmo categorias de trabalhadores urbanos e rurais que circundavam a região de Sapé, núcleo do campesinato paraibano.
A Liga de Sapé foi a primeira da Paraíba e a mais conhecida do Brasil. Ficou tão famosa que o presidente John Kennedy, dos Estados Unidos, segundo relata Assis Lemos, marcou viagem à cidade, preocupado com a possibilidade de o Nordeste brasileiro se transformar em uma espécie de segundo Vietnã. Não veio porque dias antes foi assassinado. Seu irmão Robert Francis Kennedy, porém, conheceu a Liga de Sapé, de perto. Célia Guevara, mãe do revolucionário Ernesto Che Guevara, passou dois dias na Paraíba e também conheceu a cidade.
As Ligas defendiam a reforma agrária, utilizando o lema “Reforma Agrária na lei ou na marra” contra a secular estrutura latifundiária no Brasil. As Ligas Camponesas passaram a organizar, formar e mobilizar milhares de camponeses para derrubar a relação de trabalho semifeudal e a opressão os quais eram submetidos. Foi uma das páginas mais bonitas da luta no campo da história do Brasil. Milhares de camponesas e camponeses, dirigidos por suas Ligas, ocupavam fazenda por fazenda, engenho por engenho, exigindo o fim do trabalho gratuito (“cambão”), fim dos castigos corporais e dos abusos sexuais às suas esposas e filhas. Só saiam da terra ocupada quando o proprietário se comprometia com suas reivindicações.
Depois de conquistado o fim do cambão, os camponeses levantaram a bandeira pela reforma agrária, “na lei ou na marra”, como bem defendia o deputado pernambucano Francisco Julião.
O Hino do Camponês, composto por Francisco Julião e Geraldo Menucci, utilizado pelas Ligas, dizia assim:
“Não queremos viver na escravidão
Nem deixar o campo onde nascemos
Pela terra, pela paz e pelo pão:
Companheiros, unidos venceremos
Hoje somos milhões de oprimidos
Sob o peso terrível do cambão
Lutando, nós seremos redimidos
A Reforma Agrária é a solução”
Em 1961, já existiam federações das Ligas em dez Estados e foi fundado o Conselho Nacional das Ligas Camponesas, com representação em treze Estados. Houve um processo de articulação nacional que colocou a luta dos trabalhadores rurais em outra categoria, ela passou a ser feita não mais de ações isoladas, mas contando com uma forte organização.
Foram 10 anos de organização popular, ocupação de engenhos e outras ações de grande impacto político, até o golpe civil e militar de 1964. O golpe civil-militar de 31 de março de 1964 reuniu o latifundiário, seus capangas, soldados das polícias militares e do exército para perseguir, prender, torturar e matar as lideranças camponesas, como foram os casos de João Alfredo Dias (Nego Fuba) e Pedro Fazendeiro, paraibanos e primeiros desaparecidos políticos no Brasil após o golpe de 1964.
Sob a ditadura militar, os proprietários de terra, donos de engenhos e de usinas utilizaram seus capangas e soltados das polícias militares para expulsar os camponeses de suas terras, compelindo-os a aumentar os bolsões de pobrezas das cidades.
Texto escrito por Heloisa de Sousa e Weverton Rodrigues