16 jan Elizabeth Teixeira, uma mulher marcada para viver
No dia 13 de fevereiro de 2025, Elizabeth Altina Teixeira completa 100 anos. Uma mulher que teve sua vida marcada de lutas e sofreu intimamente as consequências da violência do latifúndio, praticada em sua terra natal, Sapé, município localizado na zona da mata Paraibana. Elizabeth nasceu em 13 de fevereiro de 1925, na comunidade de Anta do Sono, na época Sapé, a 50 quilômetros de João Pessoa, capital da Paraíba.
Elizabeth, mulher branca, filha de Altina Maria da Costa, de origem latifundiária, e de Manoel Justino da Costa, de família de pequenos proprietários de terra, ambos naturais da região de Sapé/PB e Pilar/PB. Em novembro de 1940, conheceu João Pedro Teixeira, no barracão da família, em julho de 1942 se casaram em Cruz do Espírito Santo/PB. Elizabeth quando decidiu se relacionar com João Pedro Teixeira, camponês, negro, operário (trabalhava em uma pedreira) e pobre, a família foi contra.
Após o casamento, a primeira criança nasceu em junho de 1944, e devido às dificuldades, Elizabeth, em janeiro de 1945, foi morar em Jaboatão dos Guararapes (PE), onde teve mais 4 filhos, 1945, 1948, 1949 e 1950. Na cidade pernambucana, João Pedro ajudou a fundar o Sindicato dos Trabalhadores da Construção. Por conta de seu envolvimento com questões trabalhistas, ele tinha dificuldade de arrumar emprego. Então, Elizabeth começou a trabalhar em uma mercearia nos anos de 1950, 1951 e 1952, permanecendo três anos como trabalhadora urbana e vivenciando as dificuldades que a vida na cidade submetia sua família. Por decorrência dessas necessidades, a família voltou para a Paraíba em 1954, onde recebeu apoio de um irmão de Elizabeth, indo morar na comunidade de Barra de Antas, Sapé/PB. Foi lá que o casal liderou a Liga Camponesa do estado. Elizabeth e João Pedro tiveram onze filhos.
Na tarde de segunda-feira, no dia 2 de abril de 1962, em uma emboscada, o latifúndio tirou a vida de João Pedro Teixeira, marido de Elizabeth. João Pedro ao descer do ônibus, no qual voltava de uma viagem à capital paraibana, João Pessoa – entre Café do Vento (ponto que desemboca do ônibus) e Sapé – foi assassinado a tiros, pelas costas, por 3 tiros de fuzil. Naquela época, já era um grande líder local, e enfrentava um conflito a respeito dos processos legais em torno do sítio em Barra de Antas, que ele arrendara de seu sogro e que havia sido vendido para Antônio José Tavares (Antônio Vitor, vereador no município de Sapé/PB). A ida de João Pedro para a capital, naquele 2 de abril, teria como objetivo uma reunião com Antônio, comprador do sítio. A reunião não ocorreu e João retornou para casa ao final da tarde.
O crime foi encomendado por 3 latifundiários da região, que queriam aniquilar a atuação política de João Pedro.
Como líder camponês, João Pedro vivia sob ameaças constantes, que se tornaram mais presentes a partir de 1955, quando organizou o Encontro dos Camponeses de Sapé, já naquele momento com a presença de Nego Fuba (João Alfredo Dias) e Pedro Fazendeiro (Pedro Inácio de Araújo).
A reação dos latifundiários foi imediata. Após saberem do acontecido, prenderam e espancaram João Pedro no outro dia. Surgiram novas estratégias de mobilização, encontros relâmpagos nas feiras, fazendas e outros lugares em Sapé. Enfrentou várias situações de risco, como tiros contra sua casa, especialmente depois que passou a liderar reuniões de trabalhadores rurais que questionavam a prática do cambão — a obrigatoriedade de dias de trabalho sem remuneração nas terras dos proprietários. Os mandantes do assassinato de João Pedro Teixeira foram: Aguinaldo Veloso Borges (sua família permanece até hoje no cenário político paraibano); Pedro Ramos Coutinho e Antônio José Tavares.
Elizabeth Teixeira só ficou sabendo do assassinato do marido na manhã seguinte e, ao se deparar com o corpo de seu companheiro, falou a seguinte frase: “João Pedro por mais de uma vez me perguntou se eu daria continuidade à sua luta e eu nunca te dei minha resposta. Hoje eu te digo, com consciência ou sem consciência de luta, EU MARCHAREI NA SUA LUTA, JOÃO PEDRO, PRO QUE DER E VIER.”
Elizabeth assumiu o comando das Ligas Camponesas de Sapé e, depois, do estado da Paraíba. Sua atuação política ampliou a participação de camponesas e camponeses na resistência, dobrando o número de associados, e reforçando a participação das mulheres na luta do campo, entre elas, Margarida Maria Alves e as que a sucederam.
Trajetória familiar dolorosa: Tendo seu marido morto em 1962, Elizabeth passou a enfrentar intensa repressão aos camponeses neste período, e logo após, a situação foi agravada pelo golpe militar de 1964. Elizabeth enfrentou perdas, como o suicídio de uma filha, deprimida com a morte do pai e as prisões da mãe; o assassinato de dois filhos (José Eudes Teixeira e João Pedro Teixeira Filho). Vendo sua vida familiar sendo destruída e sem ter a quem recorrer contra toda essa violência, Elizabeth passou a viver na clandestinidade. Saiu de Sapé, foi para São Rafael, no interior do Rio Grande do Norte, e adotou o nome de Marta Maria da Costa, onde permaneceu escondida por 17 anos, lavando roupa e ministrando aulas particulares. Chegaram a pensar que ela havia morrido. Em 1981, com ajuda de dois filhos de Elizabeth, Abraão e Carlos, o cineasta Eduardo Coutinho a reencontrou, depois de muita procura. Em 1979, Elizabeth foi beneficiada pela Lei da Anistia, mudando-se para Patos/PB.
Documentário “Cabra Marcado para Morrer”: No ano do golpe militar, 1964, foi procurada pelo cineasta Eduardo Coutinho (1933-2014) para que sua vida e a do companheiro fossem registradas em um documentário. Com a chegada da ditadura, as filmagens foram interrompidas, sendo retomadas em 1981. O filme que conta a trajetória do casal, e no qual ela é protagonista, “Cabra Marcado para Morrer”, foi lançado em 1984, com muita repercussão — em 2015 foi reconhecido como um dos melhores documentários brasileiros por críticos de cinema. Foi o cineasta Eduardo Coutinho quem encontrou Elizabeth Teixeira, em 1981, em São Rafael, vivendo como Marta. Para muitos, Elizabeth havia morrido.
No entanto, Elizabeth Teixeira permanece viva, e é o resultado da resistência, da violência e da capacidade de luta da classe trabalhadora. Nestes 100 anos de vida, Elizabeth Teixeira é memória viva da história das Ligas Camponesas no estado da Paraíba. Atualmente, a casa onde Elizabeth viveu com sua família em Anta do Sono, hoje, reconhecida como comunidade tradicional Barra de Antas, abriga o Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, museu dedicado à memória das histórias e resistência dos povos do campo e da luta deste por reforma agrária e justiça social,
Em uma das entrevistas dada por ela, em 1981, após ser homenageada pelo Senado Federal, Elizabeth Teixeira disse: “O que eu considero importante é que o nosso povo brasileiro se una, fiquem todos unidos, lutando por uma reforma agrária. A maior alegria da minha vida se eu tomasse conhecimento de que fosse implantada uma reforma agrária em nosso país, e que todos os homens do campo tivessem condições de sobreviver ali na terra, melhorar essas condições do trabalhador da terra, isso aí era o que eu tinha mais prazer na minha vida, e hoje, na idade em que estou, tomasse conhecimento de um movimento desses”.
Atualmente, Elizabeth mora em João Pessoa, em uma casa que ganhou do cineasta Eduardo Coutinho e vai comemorar seu centenário no Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, em Sapé, porque Elizabeth Teixeira é uma mulher marcada para viver!
SAIBA MAIS SOBRE ELIZABETH TEIXEIRA
Museu: Memorial das Ligas e Lutas Camponesas, na comunidade tradicional de Barra de Antas, município de Sapé (PB).
Trabalho acadêmico: “Latifundiários deixariam o universo às escuras se fossem proprietários do sol”, de Luiz Mário Dantas Burity, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Livro: “Eu marcharei na tua luta: a vida de Elizabeth Teixeira”, organizado por Lourdes Bandeira; Rosa Maria Godoy Silveira; Neide Miele. João Pessoa, PB: UFPB, 1997.
Documentários: “Cabra Marcado para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho. A obra integra uma lista dos 100 melhores filmes brasileiros, elaborada em 2015 por críticos associados e convidados da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine); Uma Visita para Elizabeth Teixeira, curta de Susanna Lira (2001), um filme que homenageia a camponesa e o cineasta.
Documentário: “Elizabeth” produção do De Olho nos Ruralistas e Co-produção do Memorial das Ligas e Lutas Camponesas.